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Ao lado do pai
Fernando Simões, presidente do grupo JSL: “Quem reclama que trabalha muito é porque não gosta do que faz"
Foto Régis Filho

Foto: Régis Filho

Em 1999, o empresário Júlio Simões precisou fazer uma viagem, e orientou seu filho Fernando a acertar os detalhes finais de uma grande aquisição de caminhões Scania, fundamental para o crescimento da companhia que fundara e já despontava como uma das maiores transportadoras do País. Embora tivesse ingressado na empresa aos 14 anos, em 1981, Fernando se restringia às áreas operacional e comercial. Um telefonema inesperado da Volvo, no entanto, acabaria fazendo o filho retomar as negociações com as duas montadoras — e ele conseguiu um preço excepcional justamente com a concorrente que havia sido descartada pelo pai. A distância, o patriarca deu o sinal verde para o negócio, e, na volta, chamou o herdeiro para uma conversa. “Com a idade, estou ficando generoso demais. Você já é mais duro do que eu. A partir de agora, filho, as compras grandes são suas.”

É possível imaginar o tamanho do elogio — e o quanto eles deviam ser raros — pelos olhos cheios d’água do atual presidente do grupo JSL (Júlio Simões Logística), que perdeu o pai há quatro anos. Sempre que conta alguma história do relacionamento dos dois, Fernando engasga com as palavras, e precisa se esforçar para não cair no choro. “Não é tristeza”, justifica. “É saudade.” Diante do silêncio consternado, a repórter pergunta se ele sente falta dos conselhos paternos. “Nem é isso. A empresa hoje é muito diferente. Sinto falta dele para comemorar.”

E não faltam motivos para comemorações na companhia iniciada há 60 anos pelo imigrante português que trabalhava como mascate até conseguir comprar o “primeiro caminhãozinho”, para levar as verduras de Mogi das Cruzes (SP) ao Rio de Janeiro. “Cresci ouvindo as histórias do meu pai, contadas pela minha mãe, sobre como ele só calçou o primeiro sapato com 18 anos e como chegou ao Brasil sem nada, aos 23. Ele se tornou o meu ídolo, a minha paixão.”

Se a crise econômica hoje não assusta tanto a companhia, muito se deve à diversificação de serviços logísticos proposta por Fernando durante a década de 1990, antes daquela “conversa-símbolo” da troca de bastão. “Três clientes nossos chegaram a representar 75% da receita. Na verdade, Cosipa, Usiminas e CSN eram uma empresa só, porque a Siderbrás ainda não havia sido privatizada. Quando ia visitar um deles, eu tinha até dor de barriga, por causa dessa grande dependência.” Nessa época, brinca, precisava “vender pra fora” (para os clientes, depois que o irmão mais velho quis sair da empresa e ele assumiu a parte comercial) e “pra dentro” (para o pai, que precisava ser convencido da viabilidade financeira de cada projeto).

“Eu estava sempre sendo testado, sem perceber”, conclui. De um dos primeiros “testes” Fernando recorda-se bem: quando propôs a entrada da empresa no segmento de aluguel de automóveis, o pai desconfiou do negócio, e resolveu consultar informalmente um diretor do Bradesco, seu amigo. A aprovação só viria depois de um funcionário especializado em leasing no banco procurar Fernando para questioná-lo sobre todos os detalhes. “Esse funcionário é há dois anos o presidente da JSL Leasing”, diverte-se, referindo-se ao executivo Osmar Pinho e a um dos muitos negócios do grupo, que atua em 16 setores da economia.

Fernando convivia com banqueiros e clientes amigos do pai desde pequeno, quando eles frequentavam sua casa e conversavam sobre negócios à mesa do jantar. Fascinado pela presença paterna, o caçula (além do irmão, 11 anos mais velho, Fernando tem três irmãs “no meio”) pedia para acompanhar Júlio em todos os “passeios” — em geral visitas-surpresa para ver se os caminhões haviam sido carregados e despachados no horário certo. “Até para empinar pipa eu ia para o pátio da empresa.” Mas seu interesse pelos negócios era inversamente proporcional ao que manifestava pela escola: aos 14 anos, pediu para trabalhar em meio período; aos 16, abandonaria de vez os estudos, sem completar o ensino médio. “Nunca fui bom na escola”, diz.

O trabalho poderia ter ficado em segundo plano, para um jovem cheio de tentações na pequena cidade de Mogi das Cruzes: bicicleta, festinhas, idas ao clube de campo. O foco nos negócios, acredita, acabou garantido pela gravidez da namorada, quando ele tinha 18 anos. “Deus sabe o que faz. Aquilo foi um divisor de águas. Casar e ter filho aumenta a responsabilidade.” A segunda situação inesperada aconteceria dois anos depois, quando o irmão mais velho decidiu seguir um rumo próprio, fora da empresa. Aos 21 anos, Fernando tornava-se o braço direito do pai — embora muitos “testes” ainda viessem pela frente. “Ele era enérgico, é verdade. Impunha um respeito danado só com o seu jeito de ser. Mas como eu era o mais novo, talvez tenha sido menos duro comigo.”

Depois de aproveitar o processo de terceirização dentro dos grandes clientes, oferecendo a eles a prestação de vários serviços, a JSL registrou um crescimento vertiginoso nos anos 2000, tornando-se candidata natural à abertura de capital. A adaptação às regras de companhia aberta foi tranquila, afirma. “Meu pai sempre separou empresa e família. Minha mãe não podia pedir motorista nem para dar assistência a um filho. Ele próprio, se precisasse de dinheiro na sexta-feira, assinava um vale e pagava na segunda-feira.” O IPO aconteceu em 2010, um ano depois de Fernando assumir oficialmente a presidência do grupo. Seu pai ainda estava a seu lado. Para comemorar junto.

3X4

Rotina – Dorme entre cinco e seis horas por noite, acorda às 5h30 e tenta estar no escritório antes das oito. “Acredito na gestão por exemplo, e nosso negócio começa cedo. Então, todos têm que estar às 8 horas na empresa”. Na véspera da entrevista, havia saído às 21h30 do escritório. “Quem reclama que trabalha muito é porque não gosta do que faz.” Costuma trabalhar aos sábados de manhã e também no domingo à noite, em casa, quando planeja a semana. “Como é médica e também trabalha muito, minha mulher não reclama.”

Um cuidado com a saúde – Faz ginástica cinco dias por semana, antes de trabalhar. “Odeio. Faço só por causa da saúde.”

Fim de semana – Com a família, na casa em Ilhabela, litoral paulista. Vai sempre que pode. “Adoro o mar. É a única maneira de desligar do trabalho.” Além dos filhos do primeiro casamento, de 29 e 24 anos (o mais velho está no conselho de administração e a mais nova trabalha na JSL), tem uma menina de seis anos e espera uma bebê que nascerá em outubro. “Vivo para o negócio, mas sei descansar.”

Livro de cabeceira – Não tem. “De vez em quando leio uma biografia, a história de um empresário que admiro. Mas não sou uma pessoa que fica lendo livro. Já tenho muita coisa para ler da empresa.”

Uma inspiração – O pai. Mas, além dele, busca se inspirar na trajetória de outros empreendedores, como Silvio Santos (SBT), Samuel Klein (Casas Bahia) e Camilo Cola (Itapemirim). “Dois anos atrás, fui a Cachoeiro de Itapemirim para conhecer e almoçar com Camilo Cola.”

Conselho para quem está começando – Ter paixão: por alguém, por alguma coisa, por aquilo que vai fazer… E dedicação. “A internet pode ser rápida, mas ninguém chega a lugar algum sem 10 ou 20 anos de dedicação e comprometimento. Também ajuda ter uma família estruturada, para voltar ao trabalho animado no dia seguinte.”

Momento mais difícil – Lembra que, no começo da década de 1980, a crise fez o pai vender metade dos caminhões, que estava parada na garagem. “O pior momento eu não vivi, porque ainda não sabia de nada, só ficava olhando a movimentação.” Ele tinha 14 anos (hoje, tem 49).

Melhor momento – Diz que foram vários, como o sucesso da diversificação do portfólio de serviços, o crescimento nos anos 2000 e a abertura de capital. “Não acredito em sucesso, mas em momentos de felicidade.”

Uma viagem marcante – “Por mim, vou só para Ilhabela e volto rapidinho”, brinca. “Mas aí tem a família.” Todo ano vai com os irmãos a Portugal participar da festa de São Pedro na pequena aldeia onde nasceu o pai, a 24 quilômetros de Coimbra. “É tudo muito simples: a aldeia tinha 120 pessoas quando meu pai saiu de lá e hoje tem 90.”

Daqui a dez anos – “Temos nosso planejamento para os próximos dez anos, mas no Brasil precisamos sempre rever isso no segundo ano e construir para frente. Quando meu pai saiu de Portugal, o sonho dele era apenas ter um caminhão novo. Ele vivia dizendo isso. Ou seja, a gente vai construindo o futuro.”


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