Acionista pode ser concorrente?
Caso Brasil Telecom levanta discussão sobre a independência do acionista e os instrumentos de blindagem para evitar prejuízos à companhia e seus investidores

ed02_p010-013_pag_1_img_001Discussões sobre conflitos de interesses societários estão na pauta internacional de temas relacionados a legislação societária e governança corporativa, inclusive em países com mercados de capitais mais desenvolvidos. No Brasil, o tema veio à tona em uma série de episódios ao longo dos últimos anos e agora está mais uma vez em voga por conta da proposta de alteração nos estatutos sociais da operadora de telefonia fixa Brasil Telecom S.A. (BrT) e sua controladora, a Brasil Telecom Participações.

As propostas, apresentadas por um de seus acionistas, o Opportunity, e submetidas a votação em assembléia no dia 8 de setembro, tinham o objetivo de impedir o voto de conselheiros de administração representantes de acionistas que tenham participação em empresas concorrentes. No caso específico da Brasil Telecom, o Opportunity, em brigas recorrentes com a Telecom Itália – TI (ex-acionista da operadora de telefonia), visava impedir que, em caso de regresso à companhia (intenção já manifestada publicamente pela TI) , os italianos estivessem impedidos de exercer o direito de voto na BrT por serem também controladores da TIM – empresa de telefonia móvel com atuação em São Paulo e da qual a BrT pretende ser concorrente em breve, quando entrar também para a telefonia celular.

O caso da BrT é permeado de emoções, principalmente porque acirra uma briga de acionistas já pública há três anos. Ainda assim, o tema requer uma análise mais cuidadosa. Afinal, faz sentido criar uma espécie de blindagem contra conflitos gerados por acionistas que, em muitos casos, participam de mais de uma companhia em um mesmo setor? Além da independência do conselheiro, cabe regular também a independência do acionista em situação de potencial conflito?

Não faltam casos para se colocar em pauta. Grandes investidores, como a Previ e o BNDES, por exemplo, têm participação – com representação nos conselhos – em duas, três e até quatro empresas de um mesmo setor. É o que ocorre, por exemplo, com a Previ nos setores de energia, siderurgia, alimentos e até bancos.ed02_p010-013_pag_2_img_001

A mineradora Caemi hoje é controlada pela Vale do Rio Doce, sua concorrente. O conselho de administração, em grande parte, é composto por pessoas que também fazem parte da diretoria da Vale do Rio Doce.

Houve até um exemplo recente de como situações desse tipo podem funcionar na prática. Quando a Klabin resolveu colocar à venda uma de suas melhores unidades, a Riocell, não faltaram candidatos. De cara, a Aracruz despontou como favorita e acabou levando a empresa. No decorrer do processo, porém, o mercado assistiu a uma situação inusitada: a Votorantim Celulose e Papel (VCP), empresa que faz parte do bloco de controle da Aracruz e tem representante no conselho da companhia, decidiu, no meio da negociação, disputar sozinha o ativo. Afinal, mais do que controlador e controlada, Aracruz e VCP são concorrentes.

RETALHO DE PRINCÍPIOS DIVERSOS – O diretor de investimentos da Previ, Renato Chavez, reconhece que a situação da fundação em vários setores não é confortável. Ele lembra que a Previ está afastada há quase três anos do conselho da Telemar justamente porque a Lei Geral de Telecomunicações cria restrições à participação de um mesmo acionista em duas concessionárias diferentes. A prática do mercado, porém, não é impor restrições. “A própria lei tem a resposta quando diz que o conselheiro não representa acionista, mas o interesse da companhia”, diz.

De fato, a Lei das S.As faz diversas considerações sobre situações de conflito que envolvam acionistas e conselheiros. As respostas, contudo, nem sempre são tão evidentes. Até porque, ao longo dos anos, a lei foi tomando direções distintas quando o que está em foco é a pressuposição ou não da situação de conflito.

Ao mesmo tempo em que afasta, a priori, a possibilidade de o acionista e o conselheiro agirem contrariamente aos interesses da companhia (nos artigos 115 e 154), a lei impõe restrições preventivas a esse conflito, considerando expressamente as chances de ele existir. Os artigos 155 e 156 proíbem os administradores (diretores e conselheiros) de usarem em benefício próprio ou de terceiros as informações a que têm acesso e de intervirem nas operações da empresa quando tiverem interesse conflitante. Na mesma linha, o artigo 147, introduzido na última reforma da lei, em outubro de 2001, proíbe a eleição de conselheiros que ocupem cargos em sociedades concorrentes ou que tenham interesse conflitante com o da companhia. Nesses casos, os candidatos a conselheiros só podem ser eleitos com o aval da assembléia geral.

Previ busca solução para participações em empresas concorrentes

Sócia da Brasil Telecom e da Telemar, a fundação de previdência dos funcionários do Banco do Brasil (Previ) foi uma das que mais se opôs à proposta de alteração do estatuto da Brasil Telecom. Foi uma queixa formal da entidade e do fundo de previdência dos funcionários da Petrobras, a Petros, que levou a CVM a avaliar as alterações propostas.

No dia-a-dia, com participação em 165 empresas e 368 assentos em conselhos de administração e fiscal de 95 companhias, a Previ seria uma das maiores prejudicadas caso iniciativas como a da BrT entrassem na pauta de outras companhias. O diretor de participações da Previ, Renato Chaves, afirma que, embora a fundação seja acionista e esteja representada em conselhos de empresas concorrentes, os conselheiros têm autonomia para atuar no interesse da companhia como determina a Lei das S.As.

Para Chaves, a solução de tais questões tem que ser avaliada caso a caso. Não será abrindo mão de seus direitos como acionistas que a entidade resolverá os problemas causados pelo fato de ter diversas participações societárias em um mesmo setor, afirma. —Vivemos uma situação de conflito na Vale do Rio Doce e a solução foi o descruzamento de participação com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Temos que avaliar caso a caso“, afirma.

O diretor cita como exemplo o setor siderúrgico. A Previ conseguiu sair da CSN, mas continua presente nos conselhos de administração da Gerdau, Usiminas, Acesita e Belgo Mineira. Segundo ele, não há conflito porque, apesar de estarem no mesmo ramo, as empresas trabalham com tipos diferentes de aço. Chaves afirma, contudo, que a fundação está procurando uma solução.

A Previ avalia sua situação também em outros setores. Na área de alimentos, por exemplo, possui participações em Sadia, Perdigão (na qual pertence ao controle) e Seara.

Nos casos dos bancos, a situação é ainda mais complicada. A Previ ocupa todas as vagas destinadas a acionistas minoritários no conselho de seu patrocinador, o Banco do Brasil. Além disso, tem representante no conselho fiscal da Itaúsa.

Chaves explica que, no caso do BB e da Itaúsa, por conta do conflito de interesses, a Previ sempre escolhe conselheiros externos, ou seja, não recruta em seu próprio quadro de funcionários, nem entre os participantes e funcionários do Banco do Brasil. Na maior parte dos casos, porém, os conselheiros são recrutados internamente. Ao todo, possui 94 conselheiros do BB e 91 da Previ.

Há ainda o artigo 118, também introduzido na reforma recente. Este, além de pressupor o conflito, ainda diverge dos demais artigos ao induzir o conselheiro a seguir o que está determinado no acordo entre os acionistas que representa e, não necessariamente, o que vier ao encontro do melhor interesse da companhia. Neste artigo, a lei dá ao presidente do conselho ou de qualquer outro órgão de deliberação (assembléia, por exemplo) o poder de não computar o voto do conselheiro que infringir o que consta do acordo de acionistas.

No caso da Brasil Telecom, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fez uma análise objetiva do que está na lei e considerou irregular a proposta do Opportunity de impedir o voto do conselheiro representante de um acionista com participação em empresa concorrente. No artigo 147, a lei proíbe a eleição de um conselheiro que tenha o mesmo posto em empresa concorrente, mas nada diz em relação ao conselheiro representante de um acionista com participação em empresa concorrente. “Nossa avaliação foi de que a proposta apresentada pelo Opportunity extrapolou o que estava descrito na lei”, afirma Norma Parente, diretora da comissão.

Em uma análise menos ao pé da letra e mais focada no que diz o “espírito da lei”, cabe espaço para questionamentos. Em sua exposição de motivos para justificar a proposta que pretendia levar à assembléia da BrT, o Opportunity afirmava que, se a lei proíbe a eleição de um conselheiro com o mesmo cargo em empresa concorrente (art. 147) pode-se considerar que, por princípio e analogia, o conselheiro representante de um acionista com participação em empresa concorrente deveria estar proibido de votar quando houvesse eventual conflito. “De fato, os vários artigos da lei dão sinais em direções diferentes mas, quando nos detemos ao que está efetivamente escrito, vemos que a proposta da Brasil Telecom infringia os limites da legislação”, diz Norma, da CVM.

A miscelânea de posições sobre conflito de interesses presente na Lei das S.A chega a produzir situações curiosas. O artigo 154, por exemplo, aponta o dever dos conselheiros de agirem no melhor interesse da companhia. Dever esse que, desde a renovação do artigo 118 – o qual previu a suspensão do voto do conselheiro que contrariar o previsto no acordo de acionistas – passou a ser evocado, em muitos casos, como direito.

VALE BLINDAR O ACIONISTA CONCORRENTE?– O advogado Rogério Lessa, do escritório Demarest & Almeida, avalia que a única forma de evitar uma situação em que o acionista prejudicasse a empresa por participar de uma companhia do mesmo segmento é incluir, no acordo de acionistas, uma cláusula que impeça o sócio de ter uma atividade concorrencial com a da companhia.

A ex-diretora da Petros e conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Eliane Lustosa, conta que as situações de conflito de interesse são hoje uma das principais preocupações em todo o mundo. Recentemente, ela participou, com outros 11 membros do IBGC de um seminário sobre governança corporativa promovido pelo International Finance Corporation (braço privado do Banco Mundial), no qual a principal preocupação eram os conflitos.

Ela conta que, no evento, falou-se muito sobre uma proposta de mudança que tramita nos Estados Unidos para que os acionistas possam indicar conselheiros (lá eles são indicados pelo CEO). Se aprovada a alteração, os EUA ficarão com uma situação semelhante à brasileira. Eliane não conhece, porém, nenhuma empresa brasileira que tenha incluído nos estatutos uma espécie de blindagem contra acionistas que participem de empresas concorrentes. “Também não encontrei nada parecido com o que a BrT pretendia fazer no resto do mundo”, completa.

No contexto de evitar situações conflitantes para investidores que são também acionistas de diversas companhias, a escolha de um profissional externo como representante no conselho de administração tem sido cada vez mais freqüente, principalmente por parte das gestoras de recursos atentas às questões de governança corporativa. Elas têm evitado colocar no conselho das empresas em que são acionistas seus próprios funcionários, gestores ou sócios. Isabela Sabóia, executiva da administradora de recursos Investidor Profissional, conta que sempre escolhe profissionais com alguma experiência no setor ou que possam agregar algum benefício para a companhia, do tipo um especialista em reestruturação financeira ou um advogado. O mesmo ocorre na Dynamo, outra gestora de recursos. “Nossos sócios raramente vão para os conselhos. Em geral, indicam alguém que tenha compromisso com a companhia”, conta o sócio Cristiano Fonseca.

Saiba mais sobre a queda-de-braço entre a BrT e a Telecom Italia
 
A disputa entre o Opportunity e a Telecom Itália na operadora de telefonia fixa Brasil Telecom (BrT) começou há três anos, quando a BrT comprou a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). O Opportunity e alguns fundos de pensão também acionistas da operadora começaram a acusar os italianos de terem negociado um preço maior do que deveriam para compra da CRT.

Meses depois, no início de 2001, a briga se acirrou ainda mais. Foi quando a Telecom Itália decidiu disputar sozinha, por meio da Telecom Itália Móbile (TIM), as concessões para as bandas D e E da telefonia móvel. Na época, a Brasil Telecom chegou a estudar sua entrada na mesma concorrência, mas tanto os representantes dos italianos como dos fundos de pensão criaram obstáculos à proposta.

Como efeito, no mesmo dia em que a TIM comemorava a compra das licenças para exploração do serviço móvel, o ex-presidente da Brasil Telecom, Henrique Neves, anunciava que a companhia não anteciparia as metas de universalização fixadas pela Anatel para 2003, requisito básico para que a BrT ou qualquer um dos acionistas passasse a oferecer novos serviços no mercado de telecomunicações, como telefonia móvel ou longa distância, fora de sua área de concessão.

Essa disputa atrasou em mais de seis meses o início da operação da TIM, a qual só foi possível depois que o grupo assinou um acordo com o Opportunity. Por esse acordo, a Telecom Italia deixava – temporariamente – o bloco de controle da BrT, para o qual voltaria após o cumprimento das metas. Nesse meio tempo, porém, a própria BrT comprou uma licença de celular em sua área de atuação, passando a ser concorrente direta dos italianos.

No mercado, a avaliação é de que as propostas de alteração do estatuto da Brasil Telecom Participações e da Brasil Telecom S.A visavam a impedir que a TI retornasse para o conselho das duas empresas. Mas os fundos de pensão Previ e Petros, que participam do bloco de controle das duas companhias, se sentiram atingidos pelas propostas (eles também são acionistas da
Telemar) e fizeram um questionamento para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Foi em resposta a esse questionamento que a CVM se posicionou.


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