Em decisão unânime de 8 de janeiro¹, o colegiado da CVM condenou gestora de recursos e um de seus diretores e sócio por inobservância de regulamentos de fundos de investimento e violação de deveres de lealdade. A Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) encontrou problemas na gestão de um fundo de investimento em ações (FIA) e de um fundo de investimento em renda fixa (Firf). As multas somaram quase 30 milhões de reais.
O regulamento do FIA estabelecia que no máximo 50% de seu patrimônio líquido poderia ser destinado à compra de ações de companhias abertas não listadas nos segmentos Novo Mercado, Nível 2, Nível 1 e Bovespa Mais da B3 — havia, portanto, um limite para a alocação em ações de empresas não classificadas entre as de melhor governança corporativa.
Considerando essa vedação, em 7 de maio de 2012, a administradora do fundo alertou a gestora e a CVM de que dias antes o limite de alocação havia sido descumprido, com destaque para a compra de ações de duas companhias abertas. Com a aquisição, a fatia de ações de empresas não aderentes a níveis especiais de governança chegara a 58,9% do patrimônio líquido do fundo.
Questionada pela SIN, a administradora do fundo alegou tratar-se de um desenquadramento passivo, ou seja, decorrente de fatos exógenos e alheios à vontade da administradora e da gestora do fundo — teria sido motivado por resgates de cotistas. Nesses casos, a Instrução 409 (na época em vigor) estabelecia a obrigação de se sanar o desenquadramento em até 15 dias². Entretanto, segundo registros de transação anexados ao processo, a gestora do fundo, mesmo após ter sido instada a corrigir a situação, não apenas continuou a prática como agravou o desenquadramento.
A combinação de novas compras com a ocorrência de mais resgates fez a concentração da carteira nas ações das duas companhias abertas atingir, em novembro de 2012, o percentual de 97,96% do patrimônio líquido do FIA. Os acusados alegaram que mantiveram a estratégia de aquisição dessas ações por considerá-las um bom investimento. Disseram também que o desenquadramento manteve-se passivo, “tendo em vista que o gestor tinha sinalização de investidores de que novos aportes ocorreriam no fundo”.
Em seu voto, o diretor relator Gustavo Gonzalez destacou que a mera crença de que haveria novos aportes não seria um argumento idôneo para autorizar o desrespeito ao regulamento. Para ele, teria havido de fato prejuízo aos cotistas, já que, após alguns meses, o FIA acabou sendo fechado para resgates e finalmente liquidado — com a consequente restrição da liquidez do investimento dos cotistas que ainda permaneciam no fundo, ocasionada pela má gestão dos recursos. Na avaliação do relator, a gestora feriu a relação fiduciária com o fundo e com os cotistas (infração ao artigo 65-A, I, da Instrução 409).
Já em relação ao fundo de investimento em renda fixa, verificou-se que, de 20 de julho de 2010 a 24 de janeiro de 2012, o fundo adquiriu 12 CDBs e quatro letras financeiras (LFs) — 15 das operações foram feitas no mercado secundário e apenas uma delas diretamente com o emissor. A Superintendência de Fiscalização Externa (SFI) verificou que as 15 operações do secundário foram feitas nas piores condições do dia (maiores preços e menores taxas de remuneração); algumas ocorreram nos mesmos dias das emissões.
Conforme a SFI, depois de adquirir os títulos diretamente dos respectivos emissores, uma distribuidora de títulos e valores mobiliários (DTVM) os teria vendido em seguida ao Firf com alto spread (entre 14% e 40,21%). Ademais, em outras operações que envolveram ativos emitidos em 2008 — mas que só foram comprados pelo fundo em 2010 e 2011 — observou-se a adoção do mesmo procedimento: a mesma distribuidora aplicou alto sobrepreço aos ativos, em detrimento do fundo.
Essa mesma distribuidora participou de todas as 15 operações, seja como contraparte direta dos negócios com o Firf (até meados de 2011) ou indiretamente, por meio de “triangulações”, conforme verificado pela autarquia. Para a CVM, essas triangulações ocorreram em virtude de vedação imposta pela administradora do fundo à realização de negócios da gestora com a DTVM, tendo em vista a “constatação de operações desfavoráveis que teriam sido realizadas pela intermediária, com títulos públicos para a carteira de outro fundo de investimento gerido pela mesma gestora”. O somatório dos resultados desfavoráveis ao fundo, considerando todas as operações realizadas pela DTVM, superou 25 milhões de reais.
Vale ressaltar que a referida distribuidora foi posteriormente liquidada pelo Banco Central, por ter se valido de sua condição de instituição autorizada a operar no Sistema Financeiro Nacional para conduzir operações com preços fora do padrão de mercado, em benefício próprio e de terceiros.
O relator também expôs em seu voto a falta de lealdade da gestora e de seu diretor responsável, destacando existirem provas suficientes de que tinham conhecimento e participavam das operações para favorecer a DTVM, em prejuízo do fundo e de seus cotistas. Na avaliação de Gonzalez, é importante qualificador da violação do dever de lealdade o fato de as operações — antes feitas entre o fundo e a DTVM —, terem passado a ser realizadas por meio de triangulações, para despistar a administradora.
Pelo desenquadramento do FIA, os acusados receberam multas individuais de 500 mil reais. Para a dosimetria da punição pelas irregularidades na gestão do Firf, o colegiado levou em conta o valor das operações irregulares. Assim, a gestora recebeu multa equivalente a 20% do valor total atualizado dessas operações — o equivalente a cerca de 29 milhões de reais. Além disso, o diretor responsável e sócio da gestora foi proibido de atuar como administrador de carteiras de valores mobiliários por cinco anos.
*Por Caio Ferreira Silva ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados; Marcos Saldanha Proença ([email protected]), consultor; e Miguel Britto Ferreira ([email protected]), associado pleno do escritório.
Notas
1PAS CVM nº RJ2016/4271.
2A Instrução 555/14, que revogou integralmente a Instrução 409/04 e atualmente disciplina a matéria, estabelece igualmente o prazo máximo de 15 dias consecutivos para a correção de desenquadramentos passivos.
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