No último dia 19 de junho, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou o processo sancionador (PAS)1 instaurado pela Superintendência de Processos Sancionadores (SPS) para analisar um possível uso de informações privilegiadas na negociação de emissões de companhia aberta (Companhia 1). As transações suspeitas foram efetivadas perto da data em que a empresa publicou fato relevante sobre seu acordo de associação com companhia do setor varejista (Companhia 2). O colegiado concluiu que pessoas que não tinham dever de sigilo usaram informação relevante ainda não divulgada para obter benefícios — daí a caracterização do insider trading secundário2.
O fato relevante em questão saiu em 4 de dezembro de 2009, dia em que as ações da Companhia 1 subiram 28,36% e com volume de 636,9 mil ações negociadas — isso depois de uma alta de 35,42% na véspera, quando a liquidez já havia passado de 6 mil para 73,4 mil ações. As variações expressivas chamaram a atenção do regulador, que identificou quatro investidores cujo histórico de negociação sugeria insider secundário. Três deles foram responsáveis, em conjunto, por 67,7% do volume de negociação das ações da Companhia 1 naquele 4 de dezembro.
A SPS identificou indícios de associação dos acusados ao insider secundário, em decorrência do timing das operações, das relações pessoais entre eles e da atipicidade das operações. Em conjunto, a área técnica entendeu que os indícios eram suficientemente robustos para embasar a acusação, em linha com outros precedentes na CVM.
Segundo o processo, o primeiro dos acusados iniciou o relacionamento com a corretora que intermediou as operações apenas dois dias antes da efetivação das operações, não fez outra operação com ações em 2009 e 2010 (a compra de ações da Companhia 1 foi sua primeira operação no marcado de ações), era proprietário de uma empresa que tinha a Companhia 2 como um dos seus principais clientes e havia participado de oito reuniões recentes com executivos da Companhia 2 antes de dar a ordem de aquisição de ações da Companhia 1 (das quais participou um parente próximo do controlador da rede varejista com quem tinha relacionamento social). Além disso, morava no mesmo condomínio de outro acusado —cujo pai era diretor de sociedade também objeto da acusação e namorado da quarta acusada. Por fim, o volume financeiro da operação era relevante quando considerado o patrimônio declarado por ele à corretora.
Ainda de acordo com a SPS, outro acusado aportou 130 mil reais em sua conta na corretora no dia da operação (mesmo com patrimônio declarado de 450 mil reais e salário de 10 mil reais) e demonstrava pressa para que suas operações fossem concluídas, conforme mostram gravações da mesa da corretora. Já a sociedade acusada havia efetivado apenas a operação com ações da Companhia 1 naquele ano, tendo liquidado sua posição em outro papel, inclusive com prejuízo, justamente para aplicar o valor auferido na compra de ações da empresa.
Ao analisar o caso, o relator Gustavo Borba lembrou precedentes da CVM sobre infrações por insider, nos quais se levaram em consideração o histórico de operações do acusado, o timing das operações, o montante investido (quando comparado ao patrimônio do acusado e/ou outros investimentos equivalentes), a fundamentação econômica da operação e a rede de relacionamentos do acusado, pontos que foram apresentados pela acusação e ratificados pelo colegiado. O relator destacou ainda que, em linha com outros precedentes da autarquia, não é necessário se demonstrar como os acusados tiveram acesso à informação, desde que os indícios da infração sejam “robustos, múltiplos e convergentes” — como se julgou ser o caso.
O relator, acompanhado pelos demais integrantes do colegiado, condenou os quatro acusados ao pagamento de multa pecuniária individual equivalente a uma vez e meia os respectivos benefícios econômicos auferidos com as operações.
Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados; Cauê Rezende Myanaki ([email protected]) e Antonio Siqueira Filho ([email protected]), respectivamente associados sênior e júnior do escritório.
1Processo Administrativo Sancionador CVM nº 01/2014.
2O insider é considerado secundário quando o agente que teve acesso a uma informação relevante e ainda não divulgada ao mercado não tem relação profissional com a companhia a que a informação relevante se refere; ou seja, obteve a informação de algum insider primário (ou outro secundário).
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