O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu, por maioria1, absolver dez conselheiros2 da empresa HPP da acusação de desvio de poder (artigo 154 da Lei das S.As.) ao aprovarem um pacote de benefícios (severance package) que beneficiava determinados executivos da HPP.
No início de 2013, havia um ambiente de instabilidade entre os administradores da HPP, decorrente da possibilidade de a companhia ser objeto de uma nova oferta pública de aquisição de controle (OPA) e da interferência de um dos acionistas relevantes da HPP.
Para amenizar o clima e reter os principais colaboradores envolvidos com um projeto de exploração na Namíbia, então de grande relevância para a HPP, o conselho de administração negociou a aprovação de um severance package que beneficiava 28 diretores e funcionários estratégicos — sendo três membros do próprio board que aprovou a sua celebração.
O ponto do pacote que motivou a acusação pela área técnica da CVM foi uma cláusula que estabelecia que, se a assembleia da HPP não elegesse para o conselho qualquer dos candidatos indicados pela administração, certos beneficiários teriam o direito de receber as indenizações previstas no severance package ainda que o término da relação de trabalho ocorresse por iniciativa do próprio executivo.
O primeiro ponto interessante na decisão do colegiado foi o de que não haveria impedimento de voto do administrador para discutir o pacote que o beneficiava diretamente. A justificativa foi que, não obstante a regra geral do artigo 156 da Lei das S.As. determinar o impedimento de voto, a legislação societária autoriza ao administrador que fixe sua própria remuneração dentro da remuneração global aprovada pelos sócios em assembleia.
Para o diretor relator do PAS, Gustavo Borba, a análise de cada conselheiro deve ser feita de forma individual. Quando se verificar que a decisão do administrador foi tomada de forma “informada, refletida e desinteressada”, pode-se aplicar o padrão do business judgment rule. Assim, desde que o administrador cumpra esse teste ao tomar uma decisão negocial, ele não seria responsabilizado pelos resultados da sua decisão, ainda que se verifique posteriormente não ter sido a medida mais benéfica ou apropriada.
Por outro lado, se verificado que o administrador tem um interesse em determinada matéria, Borba defende que o standard correto será o do entire fairness, hipótese em que o foco da análise volta-se aos detalhes e às condições da decisão tomada, ou seja, se exige um padrão de diligência do administrador mais elevado que o do business judgment rule.
Nesse sentido, Borba, acompanhado pelos demais membros do colegiado, votou pela absolvição da maioria dos acusados pois, como demonstrado nos autos do processo, verificou-se que eles atuaram de forma informada, refletida e desinteressada ao discutir os termos do severance package no âmbito do conselho — e, portanto, não caberia à CVM analisar a qualidade da decisão tomada.
Entretanto, com relação aos conselheiros MM e WP, Borba entendeu que suas condutas deveriam ser analisadas pelo critério de entire fairness, já que eram diretamente beneficiados pelo pacote. O relator criticou a postura desses dois conselheiros, que supostamente teriam negociado o severance package em interesse próprio, inclusive ameaçando sair da companhia no meio de um projeto crítico. Ele propôs a responsabilização desses acusados, aplicando multa individual de 450 mil reais, acompanhado de Henrique Machado. Os demais diretores, porém, liderados por Gustavo Gonzalez, divergiram do relator, votando pela absolvição de todos os acusados, que foi a decisão que prevaleceu.
Primeiramente Gonzalez argumentou, citando decisão de Pablo Renteria, que “sendo o conselho de administração órgão colegiado, todos aqueles que concorreram para a formação da vontade coletiva devem, a princípio, responder, nos mesmos termos, pelas irregularidades eventualmente cometidas”.
Além disso, a regra do business judgment rule, por causa de sua natureza procedimental, seria mais adequada aos casos de violação de dever de diligência (artigo 153 da Lei das S.As.). Como o artigo 154, objeto desse caso, dispõe sobre desvio de poder, deve-se analisar se os atos dos administradores buscaram “fins ilegais, contrários à ordem pública ou aos interesses da companhia”. Ainda assim, o standard não pode ser tão elevado quanto o entire fairness.
Gonzalez concluiu que, nesse caso, apenas haveria desvio de poder se fosse verificada uma “ilogicidade manifesta” na deliberação do conselho. Ou seja, como em sua opinião houve uma justificativa plausível para a celebração do severance package na forma e no contexto em que foi celebrado, não estaria configurado o abuso de poder, justificando a absolvição dos administradores.
O presidente Marcelo Barbosa, acompanhando a absolvição, acrescentou que, embora o artigo 154 da Lei das S.As. de certa forma requeira uma análise do mérito da decisão do administrador, esse exame não impõe uma avaliação sobre se a conduta foi a ideal para a companhia. Ressaltou ainda que, sendo o conselho um órgão colegiado no qual oito dos 11 membros eram independentes, não haveria condições mínimas para se configurar eventual atuação com desvio de finalidade.
Embora decidido por maioria apertada, trata-se de importante precedente do colegiado da CVM, pois consolida o entendimento sobre aprovação pelo conselho de compensação a seus próprios membros e delimita a abrangência do dever do administrador de atuar no interesse da companhia na forma do artigo 154 da Lei das S.As.
Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio; Marcos Saldanha Proença ([email protected]), consultor; e Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), associado sênior de Pinheiro Neto Advogados
1PAS CVM RJ2013/11703, julgado na reunião do colegiado de 31/7/2018.
2Márcio Rocha Mello, Wagner Elias Peres, Milton Romeu Franke, John Anderson Willot, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, William Lawrence Fisher, Elias Ndevanjema Shikongo, Joseph P. Ash, Peter L. O’Brien e Thomas W. Ebbern
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