Em reunião extraordinária1, o colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso interposto pela companhia emissora S.A. contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) e da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE). O caso está relacionado ao pedido simultâneo de registros de companhia aberta2 e de oferta pública inicial de ações (IPO) e envolveu solicitação de tratamento reservado, nos termos da Deliberação 809.
Essa deliberação trouxe uma regra experimental que prevê a possibilidade de sigilo na análise de pedidos de registros de ofertas públicas de distribuição de ações e de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação. No caso específico, as áreas técnicas da CVM determinaram que, tendo em vista a divulgação de reportagens sobre o IPO antes do protocolo do pedido de registro da oferta, não caberia uma análise reservada.
A SEP e a SRE argumentaram que a norma (exceção ao caráter público dos processos administrativos da CVM) tem como objetivo resguardar a informação até que ela vá ao conhecimento do mercado — e, tendo em vista a prévia divulgação na mídia sobre a emissão em questão, sua aplicação não seria possível. A companhia emissora recorreu3 sustentando que a análise reservada deveria proteger tanto a informação referente à intenção de abertura do capital quanto todo o conteúdo do pedido de registro. Além disso, defendeu que o reconhecimento da confidencialidade prevista na Deliberação 809 seria uma faculdade conferida ao emissor, de modo que, quando devidamente fundamentada, deveria ser observada independentemente da existência de reportagens publicadas.
A companhia emissora também argumentou que, além da necessidade de divulgação de documentos sensíveis (com dados financeiros e informações estratégicas), cuja apresentação não é obrigatória para companhias de capital fechado, uma eventual desistência do processo poderia gerar um impacto negativo em sua imagem, o que lhe conferiria um interesse legítimo na manutenção do sigilo de seus pedidos de registro.
Outro argumento relevante do recurso foi o de que a existência de notícias sobre os pedidos de registro não deveria impossibilitar a concessão do regime de análise reservada, já que a justificativa para o sigilo seria conferir ao emissor um maior controle sobre a divulgação de suas informações em um momento sensível. Ademais, a companhia sustentou que não deveria ser prejudicada pela divulgação de informações não autorizadas por terceiros.
As áreas técnicas analisaram o recurso e reiteraram seu entendimento inicial, afirmando que no momento de elaboração da Deliberação 809 não se considerou a possibilidade de dissociação da informação referente ao recebimento do pedido de registro de oferta pública de ações da respectiva documentação relacionada ao pedido. Nesse sentido, a única motivação possível para solicitação do sigilo previsto na deliberação seria proteger a exposição do emissor ao mercado em caso de desistência da oferta, o que não ocorreria quando ela já tivesse se tornado de domínio público em virtude de sua divulgação na mídia.
Adicionalmente, a SEP e a SRE ressaltaram que, sendo a publicidade a regra para os processos administrativos da CVM, não caberia à autarquia extrapolar a interpretação de normas que restringissem o acesso às informações que detém. De maneira similar, a disseminação de informações relacionadas ao emissor e aos valores mobiliários ofertados possibilita que potenciais investidores tenham bases sólidas para fundamentar suas decisões de investimento. Por fim, as áreas técnicas destacaram que a própria Deliberação 809 prevê4 que, na hipótese de a informação relativa ao pedido de registro de oferta pública de distribuição em análise reservada ter escapado do controle, o emissor deverá informar o fato à SRE e à SEP, para que seja dada publicidade ao respectivo pedido (e ao pedido de registro de companhia aberta concomitante, se aplicável) — e divulgar imediatamente um fato relevante a esse respeito caso já esteja registrado como companhia aberta.
Na análise do recurso, o colegiado fez interpretação divergente das áreas técnicas, afirmando que a perda do controle da informação sobre os pedidos de registro sob análise reservada, embora não permita a manutenção do sigilo sobre a existência desses pedidos, não obriga a CVM a tornar públicos os documentos que lhe foram apresentados. Portanto, o tratamento reservado não serviria apenas para evitar que o mercado tomasse conhecimento da existência de um processo de abertura de capital em análise, mas também para proteger o sigilo dos documentos e informações apresentados à CVM, enquanto estiverem sob sua revisão inicial.
Assim, o colegiado decidiu, por unanimidade, pelo provimento parcial do recurso. Determinou que a informação sobre a existência dos processos de registro fosse disponibilizada nos sistemas da CVM em dois dias úteis, ao mesmo tempo em que foi mantido o tratamento reservado aos documentos fornecidos à autarquia para instrução dos pedidos de registro.
Notas
1 Reunião realizada em 6/9/2019
2 Protocolo de 30/8/2019
3 Recurso de 3/9/2019
4 No item VI
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