Em decisão do último dia 11 de junho, o colegiado da CVM condenou, por unanimidade¹, o acionista controlador, diretor-presidente e presidente do conselho de administração de Companhia, bem como o membro independente do conselho de administração, e o diretor de relações com investidores da empresa, por prática de manipulação de preços nos exercícios de 2011 a 2013². Pela quebra de deveres fiduciários previstos na Lei das S.As.³— falta no dever de diligência ao deixar de fiscalizar os atos de gestão da diretoria — foram também condenados outros membros do conselho de administração4.
Conforme a CVM, entre os exercícios de 2011 e 2013, o diretor-presidente, o diretor de RI e o conselheiro independente praticaram diversos atos societários e publicações de fatos relevantes e informações na internet (por meio do Twitter, de blogs e do YouTube) com o intuito de influenciar indevidamente o preço das ações da Companhia, o que configuraria a conduta definida no item II da Instrução 8/79 e vedada pelo item I da mesma instrução. Tais práticas – conforme enfatizado em voto separado do diretor Gustavo Gonzalez – constituiriam, por si só, infrações autônomas às normas que regem o funcionamento de companhias abertas e o mercado de capitais — entre elas, a negociação de ações em período restrito e o não envio de informações periódicas —, mas a área técnica da CVM optou por reunir todas as infrações para formar um único quadro mais amplo e cristalino sobre a manipulação de preços que, segundo a CVM, ocorreu no caso em questão.
Conforme detalhadas no relatório do processo administrativo sancionador, as condutas dos acusados tinham o mesmo modus operandi:
(i) o controlador anunciava a celebração de operações que, em sua grande maioria, ou se mostravam infrutíferas ou se concretizavam de forma diversa à originalmente divulgada;
(ii) anteriormente ou ato subsequente à divulgação, os acusados faziam diversas manifestações em suas redes sociais, sendo Twitter e blogs pessoais os principais canais de comunicação, através dos quais (segundo a CVM) os acusados ludibriavam seus seguidores com a projeção de uma imagem positiva e extremamente otimista, mas dissociada da realidade fática, da Companhia – de tal modo a, como asseverou o diretor-relator Henrique Machado em seu voto, induzir o mercado a precificar os valores mobiliários da Companhia de forma muito mais favorável do que ocorreria na ausência dessas manifestações; e
(iii) na sequência (ou em momento imediatamente anterior), os acusados compravam e vendiam ações da Companhia, de acordo com a necessidade do momento, mas sempre com um saldo de vendas líquidas.
Em linhas gerais, a defesa argumentou que os comentários com vieses otimistas em blogs e conta pessoal do Twitter eram feitos com base no que os acusados acreditavam — não poderiam, dessa forma, induzir terceiros a erro, já que as declarações tinham cunho estritamente pessoal.
Sobre o tema, o relator pontuou: “A experiência comum do que ordinariamente ocorre mostra que a divulgação de informação não oficial em chats ou blogs de um investidor qualquer pode ser reproduzida por diversas outras pessoas e, com isso, afetar a cotação de um valor mobiliário, pois, ao ser reproduzida repetidamente as pessoas acabam confiando e negociando com base nela. Nesta toada, com muito mais autoridade informações não oficiais divulgadas pelo acionista controlador têm capacidade de repercutir nas expectativas dos investidores, uma vez que tais informações gozam, de plano, de credibilidade, ou seja, de que sejam elas verdadeiras”.
Em linha com outros casos⁵, a CVM enfatizou nessa decisão que a má utilização da internet, considerando seu alto poder de disseminação, pode ser desastrosa para a credibilidade do mercado de capitais, com potencial de afugentar rapidamente um grande número de pessoas. A preocupação da autarquia mostra-se imperativa em tempos de proliferação de fake news e indica que o regulador não será tolerante frente ao mau uso de redes sociais e outros meios de comunicação para a busca de vantagens indevidas ou de maneira que possa afetar o funcionamento regular do mercado.
Quanto à análise dos deveres fiduciários dos outros dois membros do conselho de administração, e apesar das peculiaridades desse caso, o relator Machado destacou em seu voto um conceito importante já debatido em outros precedentes da autarquia6: a conduta “esperada” dos administradores em casos análogos.
Em síntese, a CVM reiterou a expectativa de que os administradores tomem atitudes que uma pessoa ativa e proba tomaria para analisar a situação concreta, sempre agindo no limite de suas atribuições. Ou seja, mesmo que os administradores não tenham, direta ou indiretamente, participado da conduta ilícita e que seus atos estejam dentro dos limites da legalidade, uma postura passiva ou omissa frente a questões e/ou atividades relevantes da companhia poderia ser interpretada pela autarquia como quebra dos deveres fiduciários previstos na Lei 6.404/7⁶.
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Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados, Milena Casado de Oliveira ([email protected]), associada sênior, e Nicholas Versignassi ([email protected]), associado do escritório.
Notas
¹ O presidente Marcelo Barbosa não participou da sessão de julgamento.
² O Controlador e o Diretor de RI foram condenados à inabilitação temporária (por 180 meses e 60 meses, respectivamente) para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na CVM. Souza foi condenado ao pagamento de multa de 400 mil reais.
3 Artigo 142, III, c/c artigo 153.
4 Outros 2 (dois) conselheiros foram condenados ao pagamento individual de multa de 200 mil reais.
⁵ PAS RJ 2001/6226; PAS RJ 2013/5194.
⁶ PAS CVM nº 07/02.
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