Em decisão unânime de 22 de janeiro de 20191, o colegiado da CVM condenou Carlos Henrique Farias, Eduardo Jorge Chame Saad e Eugênio Pacelli Marques de Almeida Holanda pela prática de operações fraudulentas em detrimento de fundos de investimento exclusivos do Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (Postalis) e condenou Alexej Predechensky, Adilson Florêncio da Costa (então CEO e CFO do Postalis, respectivamente), BNY Mellon Administração de Ativos Ltda., BNY Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A., e José Carlos Lopes Xavier de Oliveira (diretor das duas entidades BNY Mellon) por contribuírem para a realização dessas operações.
Segundo a acusação, em suma eles teriam feito operações fraudulentas que resultaram na transferência onerosa de ativos sem valor, consistentes de direitos de crédito contra o fundo de compensação de variações salariais (FCVS), para o fundo Douro, cujo único cotista era o Postalis.
O FCVS foi criado em 1967 com a finalidade de suportar financiamentos imobiliários concedidos no âmbito do sistema financeiro de habitação (SFH). Ao longo dos anos, o passivo do FCVS foi aumentando, até que a partir de 1996 foram editadas diversas normas estabelecendo um procedimento para novação dessas dívidas e atribuindo à Caixa Econômica Federal a responsabilidade pela administração do FCVS. O controle do procedimento de novação de cada crédito era feito por meio de um sistema denominado SICVS, que emitia relatórios mensais de status, identificando quais contratos ainda tinham saldo residual a pagar e quais deles já estariam totalmente deduzidos.
Em razão de uma pane no SICVS ocorrida em setembro de 2008, diversos contratos que não tinham mais valor residual tiveram sua marcação alterada para contratos “com valor”. No entanto, a pane apenas foi totalmente corrigida em fevereiro de 2011 — o que fez com que, durante todo esse período, o SICVS pudesse emitir extratos mostrando créditos sobrevalorizados.
Para a acusação, foi nesse contexto que as operações fraudulentas ocorreram. Farias, Saad e Holanda, operadores experientes no mercado de FCVS, teriam percebido a pane no sistema e tirado proveito da situação, por meio de montagem de uma complexa operação envolvendo diversos fundos de investimento, todos administrados pela BNY Mellon DTVM e geridos pela BNY Mellon Ativos.
A operação contou inclusive com a contratação de relatório de terceiro, que avaliou os créditos com base em informação do SICVS (cuja incorreta sobrevalorização os acusados conheceriam), e que suportou a securitização dos créditos, mediante a emissão de cédulas de crédito imobiliário (CCIs) com rating AA+. Ao final, as CCIs, intrinsicamente sem e incorretamente com valor, teriam sido adquiridas onerosamente pelo fundo Douro.
Ao avaliar todos os elementos dos autos, o diretor relator, Gustavo Gonzalez, concluiu haver indícios “robustos, múltiplos e convergentes” de que Farias, Saad e Holanda tinham conhecimento dos vícios envolvendo o valor de registro dos créditos do FCVS e agiram voluntariamente para aliená-los com ganhos, beneficiando-se dessas operações fraudulentas.
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Com relação a Predechensky e Costa (então CEO e CFO do Postalis): embora todos os fundos envolvidos nas operações em questão (inclusive o Douro) fossem administrados pela BNY Mellon DTVM e geridos pela BNY Mellon Ativos, Gonzalez concluiu haver indícios “robustos e convergentes” de que tais indivíduos teriam pleno conhecimento dos vícios envolvendo os relatórios do SICVS, contribuindo para as operações fraudulentas. São eles: o fato de o Postalis ter realizado diretamente outras operações envolvendo créditos do FCVS com os demais acusados, a ausência de registro de análises financeiras para suportar os investimentos e afirmações nos autos de que o Postalis seria o efetivo tomador das decisões de investimento do Douro.
Por fim, com relação a BNY Mellon Ativos, BNY Mellon DTVM e Oliveira (diretor responsável pelas duas instituições), Gonzalez concluiu que não havia prova de que soubessem que essas operações seriam fraudulentas. No entanto, sustentou ter havido dolo eventual na conduta, pois o fato de acatarem as supostas decisões de investimento originadas do Postalis não poderia eximi-los de seus deveres fiduciários perante o Douro. Além disso, na mesma época, a CVM teria julgado processo relevante envolvendo operações fraudulentas com créditos do FCVS, o que deveria ter disparado um sinal de alerta nessas instituições.
Um argumento apresentado pelas defesas foi que, se a direção do Postalis e os acusados sabiam dos vícios envolvendo os relatórios do SICVS, não teria havido o induzimento de terceiros a erro, elemento essencial à caracterização da operação fraudulenta. Gonzalez, entretanto, rechaçou a acusação, pois a norma não exige que “a pessoa enganada deve necessariamente ser a mesma que sofre a lesão patrimonial” (diretamente). Ressaltou ser inegável que, nesse caso, os participantes e assistidos do Postalis foram mantidos em erro, e lesados pelo investimento do fundo.
Diante do exposto, o colegiado, por unanimidade, condenou Farias, Saad e Holanda a multas correspondentes a duas vezes e meia a vantagem ilícita obtida que, corrigidas, ultrapassaram 110 milhões de reais. BNY Mellon DTVM e BNY Mellon Ativos foram condenados a multas correspondentes a 10% e 9%, respectivamente, do valor das operações, totalizando cerca de 10 milhões de reais. Por fim, Predechensky e Costa foram condenados a proibição temporária, por 70 meses, de atuar em qualquer modalidade de operação no mercado de valores mobiliários.”
*Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados, Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), associado sênior e Ana Luiza Milenkovich Almeida Lahud ([email protected]), associada do escritório.
1PAS CVM nº 02/2013
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