Judiciário acerta ao negar inclusão de SPEs com patrimônio afetado em RJ

Recentemente, o Judiciário de São Paulo enfrentou uma questão inédita com o pedido de recuperação judicial de uma grande incorporadora imobiliária. Como costuma acontecer com esse tipo de empresa, a organização societária tinha uma sociedade holding, detentora de participação em sociedades de propósito específico, as denominadas SPEs. A incorporadora solicitou ao Judiciário que as SPEs e a holding fossem consideradas como um grupo, de forma a permitir a apresentação de um único plano de recuperação judicial. Fundamentou seu pedido nos fatos de a holding deter toda a estrutura operacional utilizada nas SPEs e de serem somente essas SPEs as geradoras de recursos para pagamento de seus credores. Assim, o deslinde de sua crise econômica deveria ser decidido com base nos ativos e passivos de todas as sociedades integrantes do grupo. A essa reunião de interesses e comunicação de ativos e passivos dá-se o nome de consolidação substancial.

Acontece que, em algumas dessas SPEs, estava instituído patrimônio de afetação.

Desde 2001, por causa de uma alteração levada a efeito na Lei 4.591/64, que regula os condomínios e incorporações, as incorporadoras podem instituir patrimônio de afetação sobre determinada incorporação imobiliária.

A instituição do patrimônio separado — que deve ser tornada pública com a averbação dessa opção na matrícula do imóvel em que será desenvolvido o empreendimento — permite a segregação, do patrimônio geral da incorporadora, dos recursos advindos daquele empreendimento, assim como o terreno e as acessões a ele relacionados. Significa dizer que todas as receitas vindas da venda das unidades do empreendimento afetado, assim como os recursos recebidos de financiamento, devem ser utilizadas exclusivamente no custeio de suas próprias obras. Ao incorporador só é permitido usar os recursos do empreendimento afetado após a conclusão das obras e a quitação de eventual financiamento que tenha sido obtido para seu custeio. Em contrapartida a essa restrição, as receitas daquele empreendimento não podem ser destinadas ao pagamento de quaisquer outras despesas do incorporador ou ser atingidas por seus credores — ou seja, só respondem por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação afetada.

Sem dúvida, a criação do patrimônio de afetação para as incorporações imobiliárias representa essencial proteção para os adquirentes de unidades imobiliárias e para os financiadores dessas operações, já que impede o desvio de recursos de uma obra para outras. A demanda por esse mecanismo partiu de experiências que marcaram o mercado imobiliário, principalmente as relacionadas à Encol, que aparentemente vendia unidades de um empreendimento utilizando os recursos em outros, formando uma cadeia insustentável que, quando desmontada, deixou numerosos adquirentes sem suas unidades e financiadores sem o receber o que havia sido acertado.

Dessa forma, havendo patrimônio de afetação, é incompatível admitir-se a consolidação substancial, já que é própria desse instituto a impossibilidade de comunicação de receitas do empreendimento afetado com qualquer outra despesa que não seja relacionada ao próprio empreendimento. Portanto, não faz qualquer sentido permitir que esses recursos sejam usados para pagamento de outros credores da incorporadora.

Inquestionavelmente, a Lei de Recuperação Judicial busca privilegiar a empresa, e não o credor ou um devedor específico. E, nesse caso, sabiamente o Judiciário de São Paulo determinou que as SPEs nas quais tivesse sido afetado o patrimônio, pelos motivos já mencionados, deveriam ser desconsideradas da consolidação pretendida, verdadeiramente prestigiando a empresa em seu sentido mais amplo — considerado o mercado imobiliário em geral, evitando-se o retrocesso e insegurança que a admissão dessa medida acarretaria para novas operações imobiliárias, adquirentes e financiadores.


*Fernanda Costa do Amaral ([email protected]) é sócia do departamento imobiliário financeiro de Felsberg Advogados


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