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Gestão fiscal eficiente

Na edição de 3 de junho tivemos a oportunidade de tratar, resumidamente, das implicações fiscais para devedores, credores e investidores em reestruturações feitas em cenários de insolvência ou pré-insolvência. Mostramos que a falta de sofisticação do sistema tributário brasileiro torna o fisco um sócio privilegiado em tempos de bonança e um credor voraz em momentos de dificuldade. Neste e nos próximos artigos trataremos de temas específicos de atenção a devedores, credores e investidores, começando com os primeiros.

Nesse contexto, um dos principais é o tratamento fiscal dos chamados haircuts, que quase sempre são incorretamente equiparados a simples perdões de dívida (doações).

O tratamento dos haircuts não foi objeto de disciplina rigorosa pela Receita Federal; existe apenas uma solução de consulta que equipara perdão de dívidas a doação, eliminando a tributação no caso das pessoas físicas (Solução de Consulta nº 70 – Cosit). Ocorre que essa conclusão não é totalmente correta, em especial nas hipóteses de renegociação de dívidas por pessoas jurídicas. A doação é um contrato típico que impõe obrigações a somente uma das partes (doador). Essa premissa raramente é verificada em renegociações, que impõem obrigações ao beneficiário do haircut. Ao credor, o haircut é oferecido em contrapartida a garantias ou simplesmente com base no argumento racional de “dar a mão para salvar o braço”.

Aos devedores, o haircut representa a baixa de um passivo em contrapartida ao reconhecimento de uma receita. Na maioria das vezes, essa receita está no campo de incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, com uma carga tributária de até 44%.

Mas esse não é o único efeito fiscal, para os devedores, que pode decorrer dessa repactuação. A depender da natureza do passivo perdoado, outras tantas podem ser verificadas. Por exemplo: um passivo decorrente de um serviço tomado de um prestador estrangeiro pode ainda estar sujeito a IRRF, Cide, PIS/Cofins-Importação, ISS e IOF — isso sem contar os efeitos fiscais de eventual variação cambial. Não raro, a conta fiscal total a pagar pode se aproximar de 80% do montante perdoado.

Devedores devem seguir alguns passos para evitar prejuízo à reestruturação

Também deve ser considerado o fato de que programas de parcelamento fiscal incentivados só se aplicam a fatos geradores ocorridos antes da edição da legislação que os instituiu. Ato contínuo, esses programas não podem ser eficientemente utilizados em reestruturações de dívida. Há ainda uma limitação do uso de prejuízo fiscal, de forma que o “cheque” a ser efetivamente assinado pelo contribuinte pode ser estratosférico. Isso faz com que, em termos práticos, a tributação possa de fato representar uma constrição do pouco patrimônio disponível do contribuinte.

As lições de casa do devedor podem ser resumidas em alguns passos. Inicialmente, uma análise cuidadosa da natureza jurídica dos passivos a serem renegociados. Para cada modalidade, uma resposta fiscal deve ser concebida. Segundo passo: a estruturação do haircut de forma fiscalmente eficiente. Como regra, os haircuts são implementados de forma explícita, mediante descontos imediatos nas dívidas. Contudo, haircuts implícitos, trabalhando-se com o valor presente da dívida, materializam um interessante mecanismo de redução e postergação de carga tributária. Outra opção é a utilização de condições suspensivas, em face das diversas incertezas que cercam uma reestruturação, permitindo a postergação e redução econômica da carga tributária, além de melhor gestão do prejuízo fiscal.

Importantíssimo é um estudo fiscal detalhado das operações que impliquem permuta de passivos por outros instrumentos financeiros ou patrimoniais. Incorretamente, muitos partem da premissa de que essas trocas nunca geram efeitos fiscais, avaliação que comporta diversas exceções (e que, como tal, geram riscos fiscais se não corretamente estruturadas sob a perspectiva fiscal). Particularmente nesses casos, uma estruturação que respeite as regras de avaliação a valor justo pode também representar uma excelente oportunidade.

Um outro passo é a gestão eficiente de créditos fiscais. Operações de reestruturação concretizam interessante oportunidade à respectiva monetização. Isso pode gerar não só um alívio de caixa, mas também a oportunidade de se destinar liquidez a atividades produtivas. A mesma conclusão é aplicável ao prejuízo fiscal. Além disso, existe base doutrinária e jurisprudencial à propositura de medida judicial visando à utilização ilimitada do prejuízo, podendo essa alternativa gerar um significativo benefício econômico (e de caixa) à empresa em crise.

Por fim, e talvez a mais importante mensagem deste texto: nenhuma outra situação dá ao planejador tributário maior segurança para implementar soluções criativas do que as reestruturações em curso durante a recuperação judicial. Essa oportunidade merece ser analisada com a devida atenção.

Se o objetivo final de uma reestruturação é permitir a recuperação de um bom negócio que enfrenta dificuldades, qualquer estrutura que deixe uma âncora fiscal pode não só comprometer a eficácia do plano, como condenar o negócio. É por isso que o credor-fisco merece a mesma atenção dos demais.


*Thiago Medaglia ([email protected]), sócio do departamento tributário do Felsberg Advogados


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