Crime contra a economia nacional
Na indução do investidor ao erro, as maiores vítimas são aqueles que não fazem ideia do que seja essa prática

É comum ao raciocínio pedestre acreditar que, quando se induz o investidor a erro, o prejuízo é apenas dele. Errado. A indução ocorre ao se faltar com o princípio basilar da governança, a transparência, o que acaba por indicar ao investidor perspectivas de retorno e risco incompatíveis com a realidade do empreendimento. Em geral esse tipo de crime, no Brasil capitulado no artigo 6o da lei 7.492 de 1986, não causa indignação popular, justamente pela crença de que as vítimas são os investidores privados, ou especuladores do mercado financeiro, um grupo que não é visto com bons olhos pelo cidadão comum, por desconhecer sua importância.

Quanto maior for a razão de “expectativa de retorno” sobre “risco”, maior será o volume de recursos financeiros dos investidores carreado para um investimento. Essa é a forma com que as modernas economias monetárias sinalizam quais setores estão, prioritariamente, necessitando de inversões. Quanto maior a demanda em relação à oferta em dado setor da economia, maiores serão os lucros das empresas que atuam nele. Consequentemente, crescem as expectativas de retorno aos investimentos feitos para ampliar a capacidade de oferta. Converge, assim, o interesse da sociedade com a busca dos investidores por melhores investimentos. Mas as poupanças são mesmo desses investidores?

O cidadão comum costuma crer que o poupador deixou de consumir no passado para que no futuro transforme exatamente o que poupou em demanda. Seria como um náufrago numa ilha, que pesca dois peixes por dia, mas faz um esforço de faquir e come apenas um deles, para que possa parar de pescar por dois dias, alimentando-se dos peixes poupados, e, nesse período, investir na construção de uma rede, um bem de capital. Com essa rede expandirá sua produção para 20 peixes por dia, por exemplo, aumentando a renda e a capacidade de poupança. Mas não é assim que as coisas ocorrem em um agregado econômico e monetário moderno.

Nos modernos agregados, a poupança feita por um agente econômico é demandada naquele exato instante, caso contrário haveria um indesejado aumento de estoques de bens e queda na produção de serviços, que acabaria levando à recessão. Então aquele que poupa recebe como contrapartida da poupança feita na economia real naquele momento (bens e serviços que deixou de consumir) uma “poupança financeira” (CDB, LFT etc.). Quando, mais adiante, resolve investir essa poupança financeira em determinado setor da economia, ele está, na verdade, direcionando a poupança real que o agregado faz no instante em que os investimentos estão sendo feitos — e não os bens e serviços que o poupador deixou de consumir no passado, quando economizou. Em resumo, quem direciona a alocação da poupança nacional é o investidor; é ele quem decide para onde será direcionada a tão escassa poupança disponível do agregado.

É por esses motivos que se faz tão necessária a transparência nos empreendimentos. Para que o investidor possa, com sabedoria, maximizar o resultado da utilização da poupança à disposição da economia nacional, resultando na ampliação do emprego e da renda. O sucesso dos investimentos gera também impacto exponencial positivo na dinâmica macroeconômica dali em diante. No exemplo do nosso náufrago acima, se ele for bem-sucedido em desenvolver a tecnologia necessária e construir a rede, sua renda terá um salto, a riqueza dali proveniente vai propiciar a construção de uma balsa, ele poderá pescar ainda mais e assim sucessivamente.

Inversamente, quando o investidor é induzido ao erro e avalia ser uma boa oportunidade o que é de fato uma armadilha, ele direciona parcela da escassa poupança da sociedade para investimentos ruinosos. Deixa, assim, de investir em setores que atenderiam à sociedade e prejudica todo o futuro da economia.

Esse tipo de crime tem entre os investidores suas menos importantes vítimas. Quem mais perde é a economia nacional. As maiores vítimas individuais são os que nunca aplicaram um centavo em ações e, provavelmente, não fazem ideia do que seja a indução do investidor a erro. São aqueles que, por impactos indiretos, perderam renda em suas biroscas, não conseguem emprego ou perderam suas vidas por falta de remédios, saneamento etc.

A indução de investidor a erro é, portanto, um crime de gravíssimas consequências para a sociedade. Embora esteja claramente tipificado na lei, jamais houve uma só condenação de administrador de empresa aberta brasileira por tê-lo praticado. Se todos tivessem consciência dos danos à sociedade, contudo, quem o cometesse seria julgado por homicídios em massa.


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