Elemento subjetivo
O propósito de obter lucro via insider trading deve ser provado, não presumido

Alexandre CoutoA Lei das S.As. (6.404, de 1976) estabelece, no parágrafo 4o do artigo 155, a vedação ao uso de “informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários”. O agente que negocia suas ações com base em informação privilegiada é denominado “insider”. Segundo definição da Iosco, há três tipos de insider: o primário (o primeiro a ter contato com a informação relevante); o temporário (prestador de serviço com acesso ao conteúdo, como um consultor); e o insider secundário (aquele que tem conhecimento da informação por outra pessoa).

A Lei das S.As. estabelece um critério subjetivo e um objetivo para a caracterização do insider trading, reproduzindo a antiga Instrução 31, editada pela CVM em 1984 e posteriormente revogada. O objetivo se refere à utilização de dado relevante; o subjetivo diz respeito à finalidade de obtenção de vantagem indevida. Assim, não basta, para configurar a proibição do insider trading, a ocorrência de negociação com informação privilegiada. Deve haver, também, a intenção do agente infrator de obter vantagem decorrente do uso dela.

Após a introdução do parágrafo 4o do artigo 155 na Lei das S.As., por meio da Lei 10.303, em 2001, a CVM editou a Instrução 358, que no ano seguinte substituiu a de número 31. O artigo 13 da 358 suprimiu o elemento subjetivo referente à obtenção de lucro, estabelecendo apenas o impedimento à negociação com informações privilegiadas.

Apesar disso, o elemento subjetivo não foi eliminado, visto que sua fonte está na Lei das S.As. Assim, a CVM desenvolveu, em sua jurisprudência (especialmente no Processo Administrativo Sancionador [PAS] 4 de 2004), o entendimento de que o artigo 13 da Instrução 358 determina uma presunção do propósito de obter lucro por meio do insider trading, que deve ser afastada no caso concreto.

Essa presunção deve ser vista com ressalvas. Por ser elemento subjetivo do insider trading, a intenção de lucrar com essa conduta pressupõe o dolo. Obviamente, a existência de dolo não pode ser presumida, mas provada pela CVM, com base nas evidências pertinentes. Criar presunção da existência do elemento subjetivo exigido pelo artigo 155 da Lei das S.As. caracteriza afronta ao ônus da prova da acusação no âmbito de processo administrativo, conforme o artigo 36 da Lei 9.784, de 1999.

Nos Estados Unidos, também se exige a presença de dolo para a configuração do insider trading. A Suprema Corte americana interpreta a proibição da negociação com informações privilegiadas — contida na Seção 10(b) do Securities Exchange Act de 1934 e na Regra 10b-5 da SEC — pela teoria da apropriação indevida (“misappropriation theory”). Assim, o insider trading se caracteriza como fraude, para a qual é necessário que o agente tenha “intentional or willful conduct” (conduta intencional ou proposital).

Recentemente, a CVM absolveu administradores de companhia da alegação de insider trading no PAS RJ2013-5.793, pondo em dúvida a intenção de obter vantagem indevida. A autarquia levou em consideração, no caso, o padrão de compra e venda de ações pelos acusados, a manutenção das ações por 6 meses após a aquisição, além da baixa relevância das informações sigilosas supostamente utilizadas. Não obstante, a presunção da existência de dolo aplicada ao caso é indevida, pois a prova da existência do elemento subjetivo (de finalidade de obtenção de lucro do insider trading) é o papel da acusação.

*Colaborou Ricardo Mafra ([email protected]), sócio do Couto Silva Advogados.


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